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Foto do escritorDaniel Miranda

Tunic e a Magia de Não Entender as Coisas

(se The Legend of Zelda: A Link to the Past é um RPG ou não será sempre fonte de debates inesgotáveis)

Quando eu estava na pré-adolescência, os poucos amigos que tinham computadores descobriram o mundo dos emuladores através dos CDs de revistas de videogame que eram vendidas em banca. Um dos jogos que mais chamaram a atenção foi o A Link to the Past. Zerá-lo virou um evento que envolvia a escola toda, cada um aprendendo segredos e compartilhando as descobertas. Naquela época a internet era algo muito diferente: mais lenta (56 Kbps. Não Mbps, Kbps), não havia o Google, sites pagavam por tráfego e por isso evitavam colocar imagens, então sites com detonados não eram tão comuns nem fáceis de achar. Também era difícil achar as revistas de videogame de um jogo específica em sebos, e as atuais só queriam saber dos jogos 32/64 bits.

A Link to the Past tem lá suas dificuldades, em especial nos seus puzzles. Um dos desafios que me lembro bem acontece logo no começo: é preciso empurrar o trono para achar uma sala secreta. Acostumados com Mario e Donkey Kong, sequer sabíamos que este tipo de interação era possível. Acontece que esta parte não é, exatamente, um puzzle… porque a própria Zelda te pede para fazer isso. Era só seguir as instruções. Como não sabíamos inglês, a saída era tentar de tudo.

Pensei em fazer uma resenha de Tunic, e de certa forma isto aqui é uma resenha, mas o que mais me interessou no jogo é a questão da linguagem. Há muito a se falar sobre vários outros aspectos do jogo, mas vou me focar nisso, porque Tunic é um jogo que talvez converse melhor com nós brasileiros do que com a maioria dos estadunidenses.

Isso porque o idioma de Tunic foi inventado para o jogo, com algumas palavras em inglês aqui e ali (ou do idioma que você escolher, já que o jogo tem muitas opções de idiomas). Antigamente, a maioria dos jogos vinha com um manual físico dentro da caixinha. Em Tunic há, também, um manual de jogo, só que ele foi espalhado pelo mundo. Obter estas páginas é um dos principais objetivos do Tunico (nome que eu dei para a raposinha protagonista) mas até o manual foi escrito, majoritariamente, neste idioma fictício.

A sensação de jogar Tunic é a mesma que eu tinha ao jogar RPGs no passado: estar perdido no mundo misteriodo das palavras, onde você entende pouca coisa e usa o que entendeu (PASSAGEM, TRONO) para tentar prosseguir. As ilustrações do manual ajudam, e é comum através do manual descobrir depois de horas algo que poderíamos ter feito desde o começo do jogo.

O jogo é focado em combater, explorar e resolver puzzles. A última parte, embora importante, ocupa até que pouco tempo. Você não passa muitos minutos parado pensando no que fazer. Tunic não é um jogo com enfoque linguístico, à la Baba is You; Tunic é um jogo de viver aventuras. Também não é o único a ter um idioma fictício. FEZ é assim (e também tem o nome de uma peça de vestuário). A sensação de cada jogo é diferente, e Tunic te faz se sentir uma criança frente a um universo de símbolos que você não entende bem, mas que parecem importantes. Creio que para os estadunidenses a sensação é de jogar um jogo antes de ser alfabetizado; para nós, além disso, é também a sensação de jogar algo antes do jogo ser traduzido ou de aprendermos outro idioma. Uma barreira bem maior e que dura bem mais tempo.

A barreira linguística é um charme, mas também gera algumas limitações. Comecei falando de Zelda porque não só por causa da minha experiência pessoal de jogá-lo sem entender muito bem o que estava sendo dito, mas porque ele é a inegável grande inspiração de Tunic. Não o A Link to the Past mas o primeiro A Legend of Zelda, para Nintendinho. A raposinha protagonista é quase uma versão furry do Link. O resto das influências vem de Dark Souls, como a barra de estamina que serve também para bloquear ataques, as fogueiras que salvam o jogo e uma maior dificuldade.

Acontece que uma das maiores características da franquia Zelda (talvez a maior) não está presente aqui: o charme das personagens singulares. Quase não há personagens em Tunic, e a raposinha não tem expressões, parecendo um boneco duro de plástico. Fazer interações entre personagens só através de expressões corporais, sem diálogos, seria um processo difícil e delicado, então talvez eles tenham cortado esta área.  Ou talvez a ausência seja influência de Dark Souls: o mundo de Tunic é um pós-apocalipse hostil, sem vida cotidiana, uma fogueira se apagando, como nos Souls. Os mundos pós-apocalípticos de Zelda tem seus perigos, mas tem também muitas flores brotando nas rachaduras. Os Souls tem, sim, suas personagens marcantes e singulares, mas espera-se que seja um lugar hostil pelo próprio visual do jogo. Já Tunic é inóspito e hostil embora, analisando só pelas imagens, ele pareça ter um mundo belo e convidativo. A sensação de jogar Tunic é de finitude, não de esperança.

O jogo foi, em grande parte, feito por uma pessoa só, Andrew Shouldice. É um daqueles milagres frutos de muita dedicação e trabalho. Muitos e muitos e muitos jogos foram influenciados por Zelda, e Tunic é mais um deles. Alguns tentam copiar a fórmula e são esquecidos (Oceanhorn), outros usam elementos da franquia para algo novo e geram ondas são sentidas até hoje (The Binding of Isaac, Dark Souls). Tunic consegue algo difícil: capturar a sensação de ser uma criança descobrindo as maravilhas da linguagem escrita. Infelizmente, Tunic falha em capturar a sensação de querer viver em um mundo fantástico. Ainda assim, compará-lo com alguns dos melhores jogos já feitos não é justo. Tunic é um jogo interessante, que vale a pena não só por estar “de graça” no GamePass ou porque saiu para as plataformas que não tem um Zelda para chamar de seu. É um indie memorável e muito criativo, que vale todas as horas que investimos nele (menos as que gastamos para matar a última chefe).

Trinta anos atrás foi lançado, no ocidente, The Legend of Zelda: A Link to the Past. Eu nunca tive um Super Nintendo, cresci jogando meu Mega Drive e algumas poucas fitas. Até conhecia várias pessoas que tinham Super Nintendo, e nenhuma delas tinha Zelda. RPGs não eram tão famosos e comuns naquela época quanto jogos de ação ou plataforma.

(se The Legend of Zelda: A Link to the Past é um RPG ou não será sempre fonte de debates inesgotáveis)

Quando eu estava na pré-adolescência, os poucos amigos que tinham computadores descobriram o mundo dos emuladores através dos CDs de revistas de videogame que eram vendidas em banca. Um dos jogos que mais chamaram a atenção foi o A Link to the Past. Zerá-lo virou um evento que envolvia a escola toda, cada um aprendendo segredos e compartilhando as descobertas. Naquela época a internet era algo muito diferente: mais lenta (56 Kbps. Não Mbps, Kbps), não havia o Google, sites pagavam por tráfego e por isso evitavam colocar imagens, então sites com detonados não eram tão comuns nem fáceis de achar. Também era difícil achar as revistas de videogame de um jogo específica em sebos, e as atuais só queriam saber dos jogos 32/64 bits.

A Link to the Past tem lá suas dificuldades, em especial nos seus puzzles. Um dos desafios que me lembro bem acontece logo no começo: é preciso empurrar o trono para achar uma sala secreta. Acostumados com Mario e Donkey Kong, sequer sabíamos que este tipo de interação era possível. Acontece que esta parte não é, exatamente, um puzzle… porque a própria Zelda te pede para fazer isso. Era só seguir as instruções. Como não sabíamos inglês, a saída era tentar de tudo.

Pensei em fazer uma resenha de Tunic, e de certa forma isto aqui é uma resenha, mas o que mais me interessou no jogo é a questão da linguagem. Há muito a se falar sobre vários outros aspectos do jogo, mas vou me focar nisso, porque Tunic é um jogo que talvez converse melhor com nós brasileiros do que com a maioria dos estadunidenses.

Isso porque o idioma de Tunic foi inventado para o jogo, com algumas palavras em inglês aqui e ali (ou do idioma que você escolher, já que o jogo tem muitas opções de idiomas). Antigamente, a maioria dos jogos vinha com um manual físico dentro da caixinha. Em Tunic há, também, um manual de jogo, só que ele foi espalhado pelo mundo. Obter estas páginas é um dos principais objetivos do Tunico (nome que eu dei para a raposinha protagonista) mas até o manual foi escrito, majoritariamente, neste idioma fictício.

A sensação de jogar Tunic é a mesma que eu tinha ao jogar RPGs no passado: estar perdido no mundo misteriodo das palavras, onde você entende pouca coisa e usa o que entendeu (PASSAGEM, TRONO) para tentar prosseguir. As ilustrações do manual ajudam, e é comum através do manual descobrir depois de horas algo que poderíamos ter feito desde o começo do jogo.

O jogo é focado em combater, explorar e resolver puzzles. A última parte, embora importante, ocupa até que pouco tempo. Você não passa muitos minutos parado pensando no que fazer. Tunic não é um jogo com enfoque linguístico, à la Baba is You; Tunic é um jogo de viver aventuras. Também não é o único a ter um idioma fictício. FEZ é assim (e também tem o nome de uma peça de vestuário). A sensação de cada jogo é diferente, e Tunic te faz se sentir uma criança frente a um universo de símbolos que você não entende bem, mas que parecem importantes. Creio que para os estadunidenses a sensação é de jogar um jogo antes de ser alfabetizado; para nós, além disso, é também a sensação de jogar algo antes do jogo ser traduzido ou de aprendermos outro idioma. Uma barreira bem maior e que dura bem mais tempo.

A barreira linguística é um charme, mas também gera algumas limitações. Comecei falando de Zelda porque não só por causa da minha experiência pessoal de jogá-lo sem entender muito bem o que estava sendo dito, mas porque ele é a inegável grande inspiração de Tunic. Não o A Link to the Past mas o primeiro A Legend of Zelda, para Nintendinho. A raposinha protagonista é quase uma versão furry do Link. O resto das influências vem de Dark Souls, como a barra de estamina que serve também para bloquear ataques, as fogueiras que salvam o jogo e uma maior dificuldade.

Acontece que uma das maiores características da franquia Zelda (talvez a maior) não está presente aqui: o charme das personagens singulares. Quase não há personagens em Tunic, e a raposinha não tem expressões, parecendo um boneco duro de plástico. Fazer interações entre personagens só através de expressões corporais, sem diálogos, seria um processo difícil e delicado, então talvez eles tenham cortado esta área.  Ou talvez a ausência seja influência de Dark Souls: o mundo de Tunic é um pós-apocalipse hostil, sem vida cotidiana, uma fogueira se apagando, como nos Souls. Os mundos pós-apocalípticos de Zelda tem seus perigos, mas tem também muitas flores brotando nas rachaduras. Os Souls tem, sim, suas personagens marcantes e singulares, mas espera-se que seja um lugar hostil pelo próprio visual do jogo. Já Tunic é inóspito e hostil embora, analisando só pelas imagens, ele pareça ter um mundo belo e convidativo. A sensação de jogar Tunic é de finitude, não de esperança.

O jogo foi, em grande parte, feito por uma pessoa só, Andrew Shouldice. É um daqueles milagres frutos de muita dedicação e trabalho. Muitos e muitos e muitos jogos foram influenciados por Zelda, e Tunic é mais um deles. Alguns tentam copiar a fórmula e são esquecidos (Oceanhorn), outros usam elementos da franquia para algo novo e geram ondas são sentidas até hoje (The Binding of Isaac, Dark Souls). Tunic consegue algo difícil: capturar a sensação de ser uma criança descobrindo as maravilhas da linguagem escrita. Infelizmente, Tunic falha em capturar a sensação de querer viver em um mundo fantástico. Ainda assim, compará-lo com alguns dos melhores jogos já feitos não é justo. Tunic é um jogo interessante, que vale a pena não só por estar “de graça” no GamePass ou porque saiu para as plataformas que não tem um Zelda para chamar de seu. É um indie memorável e muito criativo, que vale todas as horas que investimos nele (menos as que gastamos para matar a última chefe).

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