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Foto do escritorDaniel Miranda

Crítica : Dark

“A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão.” (Albert Einstein)

16-01-2018 – 17:30 – Gisele Pimenta


No finalzinho de 2017 algo aconteceu: justamente quando achávamos que o ano não teria mais nada de novo a oferecer, surpreendentemente, surgiu Dark!

Ela tornou-se uma das séries de língua estrangeira (não inglês) mais assistidas globalmente e está muito bem posicionada nos Estados Unidos, Brasil, Itália, Turquia, Espanha e França. Devido ao sucesso estrondoso, já foi renovada para a segunda temporada!

A série alemã criada por Baran bo Odar e Jantje Friese estreou em primeiro de Dezembro na Netflix e roubou o coração dos fãs! Mesclando drama, suspense e ficção científica ela passeia pelo sobrenatural, pela política e crítica social, além de abordar aspectos religiosos, mitológicos e filosóficos sustentados por princípios teóricos da física quântica e astrofísica! Sim, tudo ao mesmo tempo,“seus geek maluco!!!”

A abertura da série já prima pela qualidade da mesma. As estruturas imagéticas espelhadas, borradas e duplicadas sugerem um Teste de Rochard (aquele do borrão de tinta) no qual a pessoa tenta organizar as informações ambíguas que lhe são apresentadas e assim projeta aspectos da sua personalidade a serem decifrados pelo examinador. Exatamente como a série nos propõe a fazer! Ela exige que acessemos algumas dimensões da nossa personalidade tais como: inteligência, afetividade, humor e atitudes diante de “determinadas situações” (sem spoiler). Outro elemento a ser destacado é a música tema Goodbye de Apparat e Soap&SKin  que tem uma sonoridade melancolicamente bela facilmente constatada ao ser traduzida: “por nem sempre, nem nunca …adeus”.



A estória ocorre numa pequena cidade alemã que tem como atrativo natural as Cavernas de Winden e como principal fonte de energia e de renda para a população uma Usina Nuclear. Acompanhamos o cotidiano nada normal em Winden onde residem quatro famílias que se destacam na trama: os Kahwald, os Tiedeman, os Nielsen e os Doppler. O evento do desaparecimento do garoto Erik Obendorf em 2019 abre a trama e logo descobrimos que não é a primeira vez que isto ocorre na cidade. De fato, outros desaparecimentos ocorreram em momentos distintos e envolveram três gerações das diferentes famílias já citadas. (desaparecimentos de Hegel, Mads, Mikkel e Yasin) Porém, o mistério em torno dos fatos e a similaridade entre os mesmos deixa todos os envolvidos intrigados e desesperados por respostas.




Dark nos compele a utilizar a atenção, pois, como os acontecimentos são trazidos num ritmo mais cuidadoso e de forma fragmentada, cabe ao expectador captá-los e guardá-los para serem montados e entendidos conforme o desenrolar da trama. Para não ficar perdido neste processo a dica é não focar em “como isso aconteceu?” e sim no “quando isso aconteceu?” Esta forma de inserção do expectador na narrativa como testemunha ocular dos eventos, inicialmente pode ser angustiante, porém, ao despertar o sentimento de pertença, acreditamos que somos parte de algo importante e instigante o que nos leva cada vez mais em busca da descoberta e do entendimento. É viciante!

Outra dica preciosa é ficar atento às explicações contidas nos diálogos de alguns personagens com o relojoeiro (H.G.Tannhaus, na série o autor de “Uma viagem no tempo”- como queria que este livro fosse real!) que a meu ver tem um quê de oráculo, pois, ele nos fornece respostas que servem para um esclarecimento maior. Ao trazer à tona conceitos das mais diversas áreas tais como: Física, Filosofia, Química, Alquimia, Religião, Psicologia e Mitologia, ele nos ajuda a tecer o fio de Ariadne que é necessário para nos conduzir tanto pelo labirinto real (as cavernas de Winden) quanto pelo virtual (os eventos que ocorrem simultaneamente entre as diversas situações temporais: 1953■1986■2019). O relojoeiro também corresponde aqui ironicamente ao próprio fenômeno tempo que é o fio condutor da série. Tudo está relacionado ao tempo, ele liga de forma invisível tudo e todos.








As situações vivenciadas pelos personagens, os laços de família, de amizade e de afeto assim como os desaparecimentos, os segredos, as traições e tragédias estão interligados e ocorrem de forma cíclica. Há que se considerar o princípio da causalidade (causa e efeito) onde os fatos estão vinculados de maneira que são determinados pelos eventos anteriores. O que reforça o forte impacto do laço temporal existente na série. Os acontecimentos são explicados por um lado pela perspectiva da astrofísica: pontes de Einstein-Rosen (buracos de minhoca) onde entendemos que “existe uma passagem/conjunção que une o tempo e o espaço e através da qual podemos entrar (via buraco negro) e/ou sair (via buraco branco) desta mesma conjunção realizando desta forma, uma viagem no tempo. Enquanto um buraco de minhoca existir, o laço temporal é fechado. Dentro dele, tudo está relacionado. Não é só o passado que influencia o futuro. O futuro também influencia o passado. Considerando é claro que nada está completo sem uma terceira dimensão. O buraco de minhoca conecta três dimensões: o futuro, o presente e o passado”. Representadas pelo símbolo da triqueta.

Por outro lado, considerando-se as perspectivas Filosófica e Psicológica, que estão intimamente ligadas aqui, a alegoria da vida mostrada como um labirinto é extremamente didática, pois, uma vez que mostra as cavernas  existentes em Winden a correlação feita com o  inconsciente é imediata. Isto se deve principalmente à técnica de montagem feita que é extremamente eficiente e garante o aprofundamento dos personagens enriquecendo a trama. Aliada à composição de cena, trilha sonora e fotografia que nos transportam diretamente para aquele ambiente perturbador, claustrofóbico e enigmático.




O fato de mostrar os personagens vagando em busca de uma saída da caverna rumo ao mundo externo quando na verdade a única forma de sair é ir cada vez mais para o centro (de si mesmo) possibilita a reflexão do expectador e o estimula a fazer este exercício de autoconhecimento. Voltando-nos para nós mesmos absorvemos novos conceitos, entendemos a repercussão de nossas escolhas e encaramos o fato de que “nem uma respiração, nem um passo, nem uma palavra, nem a dor, nada do que acontece é em vão”. Aprendemos ainda que as vivências nos dão força e possibilitam que cada um seja do seu jeito. Elas impulsionam nossa constante busca como seres humanos por respostas que na verdade vão de encontro à revelação de nossa verdadeira essência o que culmina em entendimento, aceitação e libertação. (enfim a saída da nossa caverna)


Não é por acaso que Dark foi considerada uma das melhores séries de 2017. Ela é densa, complexa, rica e intrigante. Prova disto é o cliffhanger maravilhoso que nos deixou enquanto aguardamos a próxima temporada! Vale a jornada!

Sirvo 5 pães de queijo bem quentinhos no passado, no presente e no futuro!







© 2017 PaoGeekeijo

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